Por Yago Queiroz, especial para AlmA Londrina Rádio Web
Matéria publicada originalmente no Pretexto,
webjornal laboratório dos alunos de jornalismo da UEL
Um sorriso alegre, que em sua essência carrega um mar de boas energias transmitidas por Nhanderu (Deus para os Guaranis) e, ao mesmo tempo, nos traz uma vida repleta de luta e resistência. Luta pelo simples direito de existir e resistindo todos os dias em uma terra que por direito pertence ao seu povo. Motivado a mudar a realidade da sua comunidade, Rodrigo Luis, da etnia avá-guarani decidiu cursar medicina para que, enquanto médico, possa dar melhores condições de saúde e assistência à sua comunidade. Na sua etnia, seu nome é Tupã Nhevanga, dado a ele pelo seu avô. Rodrigo conta que nasceu no Mato Grosso do Sul, e como era sua vivência com a família lá: “Nasci em Mato Grosso do Sul, meus pais e meus avós moravam lá, mas os meus avós nasceram na região de Guaira (PR). Eles foram para Porto Lindo, lá tiveram os filhos, e então nasci naquela terra indígena. A terra lá já era demarcada. Desde quando me senti como criança, era lá que vivíamos. lembro-me que fazíamos muitas coisas que era do nosso viver”.
Relembrando um pouco sobre sua infância simples e como eram os ensinamentos e vivências baseadas na coletividade, ponto característico dos povos indígenas: “Era tão simples nosso modo de viver no Tekoá que era muito melhor. Não nos preocupávamos em nada, só vivíamos. Quando ia fazer armadilha para pegar pássaro, trazia para casa para todos comerem”. Com tristeza no olhar, Rodrigo se recorda que quem o ensinou a fazer armadilha para caçar e ensinamentos da cultura avá-Guarani fora seu tio, já falecido. E fala que sente saudade de viver tradicionalmente como antes: “Até hoje quero viver assim, no nosso modo de viver”, afirma Rodrigo.
Por volta de seus sete anos, Rodrigo comenta se lembrar do avô relatando que vivia na região de Guairá quando jovem, e que inclusive chegou a trabalhar numa companhia de erva mate, mas ainda cultivava a vontade de retornar à sua terra natal: “Então meus pais decidiram retornar a Guaira, porque já era nosso lugar. Então viemos para Guaira com meus avós, viemos para ver como meus avós viviam, quando trabalhou na companhia de mate, e meu avô falou: ‘vamos ficar por aqui de novo, na nossa terra, esta terra é nossa mesmo’”.
Seus pais e avós foram quem iniciaram a luta pela retomada do território tradicional Ava-guarani na região de Guaira. O avô de Rodrigo, líder religioso da comunidade, também conhecido com Txamoy, realizou diversas rezas a Nhandereru para dar nome ao “novo” tekoá: “E chamamos de tekoá Porã”, diz.
Enquanto Rodrigo conta sua vivência, pode-se ver o brilho em seu olhar, pois, ao mesmo tempo em que lhe traz lembranças de quando o não indígena lhe tratava com respeito, faz alusão direta ao contexto atual de extremo preconceito e discriminação. Uma cidade omissa na prefeitura e até mesmo no comercio, uma cidade totalmente voltada para o agronegócio, e nem um pouco amistosa com os indígenas: “Eu cresci lá, lá virei adolescente, fiquei moço, estudei na escola não indígena. Com relação ao preconceito, não era tão visível. Eles gostavam muito de índios, falavam pra gente ‘que bom que tem índios’. Mas com o passar do tempo, os ruralistas começaram a fazer a cabeça das pessoas de que nunca existiram índios naquela região, então começou a retaliação por parte dos agricultores” lamenta Rodrigo.
Motivado através das dificuldades e pelas situações de preconceitos que enfrentou com o não indígena da região, decidiu ir para a universidade cursar medicina. Em um dado momento, Rodrigo relata vivenciou por diversas vezes casos de negligências e omissões por parte dos médicos que atendiam a sua tekoá. Faz ainda associação dos conhecimentos tradicionais da avó com a medicina do não indígena, como podemos ouvir no áudio abaixo:
Rodrigo participa de um projeto de pesquisa que tem como intenção escrever um livro sobre as memórias e resistências dos avá-guarani no oeste do Paraná além de produzir um documentário para retratar a realidade conflituosa existente por lá. E fala que é a primeira oportunidade de dar um retorno a sua comunidade: “Não é uma satisfação só minha, mas da comunidade também, devo dar um retorno a eles, porque vim da aldeia e pra lá devo voltar, deste modo tenho que dar uma devolutiva para eles, por isso estou aqui desde que passei no vestibular”. Sua participação nas atividades desse projeto foi de extrema importância, uma vez que, a maioria das entrevistas foi gravada em guarani, sendo ele o tradutor para o português e vice-versa. Abaixo vemos uma imagem de Rodrigo fazendo essa mediação em uma das entrevistas.
Casado e com dois filhos, Rodrigo mora em Londrina temporariamente para cursar medicina, atualmente no segundo ano do curso na Universidade Estadual de Londrina: “fui para medicina, agora já estou no segundo ano, do primeiro ao segundo ano foi tranquilo, agora está puxando as matérias, mas sempre tento levar no dia a dia nosso viver, não deixo de lado nosso viver, porque é nosso mesmo estando no meio do branco” diz Rodrigo.
Na última ida do projeto ao oeste, precisamente no tekoá de Rodrigo, o mesmo intermediou uma entrevista com seu avô, que estava com mais de 100 anos – aproximadamente dois meses depois, ele faleceu. Infelizmente seo Claudio faleceu sem ver sua terra demarcada, terra esta que fora usurpada de seu povo.
Rodrigo é um exemplo de luta, resistência e persistência, não somente para mim e os demais estudantes indígenas, mas para qualquer ser humano que opte cursar ensino superior.
Matéria publicada originalmente em https://pretextouel.com/.