Quem assistiu ao clássico filme, Óleo de Lorenzo, de 1992 certamente se emocionou com o enredo, baseado em fatos reais. O filme conta a história de um casal, Augusto e Michaela, cujo filho mais jovem, Lorenzo, começa a apresentar alguns sintomas aos 6 anos de idade.
Esses sintomas vão se agravando com o passar do tempo, até que é diagnosticado com Adrenoleucodistrofia (ALD), uma doença degenerativa e sem cura, na qual há o desgaste progressivo da bainha de mielina dos neurônios decorrente do acúmulo de ácidos graxos de cadeia muito longa.
Como a mielina é fundamental para funcionar como um isolante que acelera e otimiza a transmissão do impulso nervoso, ao ser degradada, a eficiência da transmissão neuronal reduz e isso provoca inúmeros sintomas, que progressivamente se agravam.
O grande plot do filme é a busca por algo que trate ou cure a doença. Porém a busca é feita pelos próprios pais, conversando com especialistas, promovendo eventos com participação de experts e conversando e lendo sobre relatos de casos daquilo que parece ter funcionado ou não.
Assim, nos deparamos com uma busca totalmente empírica dos pais de Lorenzo, que acabam conseguindo desenvolver um óleo que parece reduzir a produção interna daqueles ácidos graxos prejudiciais. E a expectativa de vida de Lorenzo que seria de mais 2 anos de vida é superada.
Lorenzo viveu 20 anos a mais do que a expectativa que lhe foi dada. A história real e o filme de fato são impactantes, mas pode nos levar a acreditar que, frente a uma doença sem a cura conhecida, essa seria a forma mais adequada de agir.
E é claro que durante a pandemia comparações desse tipo já começaram a ser feitas (por exemplo: https://www.capitalnews.com.br/opiniao/oleo-de-lorenzo-e-o-tratamento-precoce/354896).
Como se a busca por medicamentos pra COVID pudesse ser tão empírica quanto a busca de um tratamento para ALD. E isso é ABSURDO por dois motivos principais:
1) Covid é uma doença infectocontagiosa aguda de evolução majoritariamente benigna: a grande maioria das pessoas sequer é hospitalizada. ALD é uma doença genética de curso clínico inexorável: frente ao diagnóstico é certo que haverá piora dos sintomas progressivamente.
2) Covid é uma doença pandêmica. Milhões de pessoas foram e estão sendo contaminadas em um curto espaço de tempo. Esse cenário favorece a condução de ensaios clínicos controlados, como fizemos com as vacinas. ALD é uma doença genética raríssima. Sendo uma doença raríssima, não temos como conduzir os ensaios clínicos ideais. Mas para doenças que possuem alta incidência/prevalência e cujo curso clínico é altamente variável, mesmo sem medicamento, chega a ser antiético fazer uso empírico de substâncias, como o Kit Covid.
Em resumo: A história do Óleo de Lorenzo é linda e impactante, justamente por ser uma exceção à regra. Cuidado para não cair na lábia de quem se diz “herói de cinema” na vida real. A probabilidade de ferir o primeiro princípio da medicina é alta: “Primum non nocere” (Primeiramente, não causar mal).