Essa semana o programa Marginália constrói um contraponto entre os conceitos de contracultura e dos novos narcisos ao som de Arnaldo Baptista e Tim Maia.
A característica fundamental da Contracultura é ser a expressão de uma visão juvenil, foram nos jovens que inventaram a contracultura (e fenômenos afins, como o tropicalismo, o movimento punk, hippie) e, portanto a rejeição a ela pela maturidade é inevitável.
A história da cultura do ocidente é marcada pela visão juvenil, seus momentos mais inovadores e radicais foram responsabilidade dos mais jovens. Nossa cultura é marcada pelo arquétipo do jovem rebelde, um culto tão poderoso quarto a sua antítese, o respeito oriental pelos mais velhos.
Um mundo organizado pela visão madura, manifesta em toda espécie de leis e regulamentos, deve sofrer periodicamente as fraturas criadas pela visão juvenil. Trata – se da condição de equilíbrio mínimo, capaz de insuflar a renovação num mundo dominado pela rigidez da ordem.
Ainda que perigosa, a anarquia juvenil, ao contrário, é vitalizadora. Movimentos culturais tipicamente dominados por jovens, como os surgidos na era áurea do “Poder Jovem”, os anos sessenta, como a Contracultura e o Tropicalismo, são exemplos típicos da visão juvenil.
O centro vital da Contracultura era a experiência da expansão da consciência. A mente se expande, a realidade se amplia. Não se trata mais de uma cisão esquizofrênica que abandona o corpo para tratar da alma, mas simplesmente perceber que corpo e alma são muito mais do que pensam tanto materialistas quanto espiritualistas.
A liberdade de consciência é a verdadeira fonte de todo poder realmente revolucionário.
Mas essas ousadias da época tiveram que ser anuladas, ou eliminadas, ou, pelo menos, distorcidas para que o mundo continuasse a ser o que era e “os mesmos patifes de sempre continuassem a mandar em tudo”, conforme disse John Lennon, ao declarar o fim do sonho. Para isso, os meios de anulação, eliminação e distorção foram aperfeiçoados e refinados.
Hoje, as manifestações juvenis de nosso passado recente, depois de domadas, assimiladas e distorcidas pelo sistema, foram substituídas pelo paradigma de eficiência empresarial (o tal do Yuppie) e, o que é pior de tudo, imposto como modelo aos ainda mais jovens, ou seja, nossas crianças.
O indivíduo contemporâneo não é destituído de personalidade, mas sim possui um novo tipo de personalidade, uma nova consciência, feita de indeterminação e flutuação. Nos tempos atuais, Narciso espelha a condição humana nesta mutação antropológica que se realiza diante de nossos olhos: o surgimento de um perfil inédito do indivíduo nas suas relações consigo mesmo e com o seu corpo, com os outros, com o mundo e com o tempo no momento em que o “capitalismo” autoritário cede lugar a um capitalismo hedonista e permissivo (LIPOVETSKY, 2005, p.32).
A dinamicidade do ambiente, tempo e espaço contemporâneos é organizada para acelerar a circulação dos indivíduos e, assim, pulverizar a sociabilidade. Vários sinais fazem pensar que entramos na era do hiperconsumismo e hipernarcisismo. Estamos numa sociedade que massifica, padroniza e, ao mesmo tempo, cria seres autônomos e ambíguos, estimula os prazeres e produz comportamentos angustiados e esquizofrênicos divididos entre uma cultura do excesso e o elogio da moderação. Em contrapartida, o medo de tornar-se obsoleto faz com que fiquemos obcecados por informação, pelo novo, inédito, consumamos nossa própria existência prolongando incessantemente nosso imaginário com pseudo necessidades, fenômeno que extrapola as categorias de classes sociais.